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João Paulo Baltazar a partir de reportagem para a TSF “As passadas cautelosas das mulheres ciganas”, em Março de 2006
Javier Martinez fotografias inéditas, 2010
Javier Martinez fotografias inéditas, 2010
“Chamo-me Olga Mariano. Sou uma mulher-árvore.
Orgulhosa das minhas raízes e dos frutos que vão nascendo dos meus braços solidários. Trabalho para ajudar as outras mulheres e sobretudo as crianças. Sou uma mediadora sociocultural.
Por ser mulher e, particularmente, por ser viúva, enfrentei muitas resistências para formar a AMUCIP, a primeira associação portuguesa de mulheres ciganas. ‘As viúvas estão vivas mas morreram’. Foi assim que o Jaír, um dos meus filhos, explicou a questão a um jornalista.
É a tradição, compreende?
Mas eles apoiaram-me, os três. Isso foi muito importante. Como eu costumo dizer, podemos ser quem quisermos, sem deixarmos de ser quem somos, sem abdicarmos da nossa cultura.
Este é o desafio.
Parece pouco mas não é.
Nem para uma mulher-árvore, a quem nunca passou pela cabeça fazer sombra aos homens.
Sabe, nós as ciganas somos demasiado mães-galinha, levamos os filhos para todo o lado. A escola é a nossa saia, por assim dizer. A Sónia Matos, que também faz parte da associação e é auxiliar de acção educativa, acredita que, se mais ciganas começarem a deixar os filhos nos infantários, a relação com a escola poderá ser diferente.
Eu concordo, até porque a venda ambulante, que tem sido o nosso principal meio de vida, não tem grande futuro, já se viu. Mas também é preciso que os professores e os outros pais percebam que a nossa cultura é especial. Os laços familiares são muito fortes e o luto é vivido de forma bastante intensa.
Temos de nos conhecer todos melhor.
E olhar para o exemplo espanhol. Deixe-me contar-lhe esta história. Uma mulher cigana casou-se aos 28 anos, depois de estudar Direito. Casou-se com um homem cigano, de acordo com a lei e toda a tradição cigana, mas primeiro formou-se. Hoje, marido e mulher trabalham em conjunto na câmara de Sevilha.
Compreende onde quero chegar?”.
Olga Mariano, Fundadora da AMUCIP
Orgulhosa das minhas raízes e dos frutos que vão nascendo dos meus braços solidários. Trabalho para ajudar as outras mulheres e sobretudo as crianças. Sou uma mediadora sociocultural.
Por ser mulher e, particularmente, por ser viúva, enfrentei muitas resistências para formar a AMUCIP, a primeira associação portuguesa de mulheres ciganas. ‘As viúvas estão vivas mas morreram’. Foi assim que o Jaír, um dos meus filhos, explicou a questão a um jornalista.
É a tradição, compreende?
Mas eles apoiaram-me, os três. Isso foi muito importante. Como eu costumo dizer, podemos ser quem quisermos, sem deixarmos de ser quem somos, sem abdicarmos da nossa cultura.
Este é o desafio.
Parece pouco mas não é.
Nem para uma mulher-árvore, a quem nunca passou pela cabeça fazer sombra aos homens.
Sabe, nós as ciganas somos demasiado mães-galinha, levamos os filhos para todo o lado. A escola é a nossa saia, por assim dizer. A Sónia Matos, que também faz parte da associação e é auxiliar de acção educativa, acredita que, se mais ciganas começarem a deixar os filhos nos infantários, a relação com a escola poderá ser diferente.
Eu concordo, até porque a venda ambulante, que tem sido o nosso principal meio de vida, não tem grande futuro, já se viu. Mas também é preciso que os professores e os outros pais percebam que a nossa cultura é especial. Os laços familiares são muito fortes e o luto é vivido de forma bastante intensa.
Temos de nos conhecer todos melhor.
E olhar para o exemplo espanhol. Deixe-me contar-lhe esta história. Uma mulher cigana casou-se aos 28 anos, depois de estudar Direito. Casou-se com um homem cigano, de acordo com a lei e toda a tradição cigana, mas primeiro formou-se. Hoje, marido e mulher trabalham em conjunto na câmara de Sevilha.
Compreende onde quero chegar?”.
Olga Mariano, Fundadora da AMUCIP
Revista Máxima
primeira parte
O preto é a sua cor. Pelo menos há 12 anos, veste-se de negro, com roupas que pouco deixam ver do seu corpo. É assim que manda a tradição cigana quando uma mulher fica viúva. E Olga Mariano, presidente da Asso-ciação para o Desenvolvimento das Mulheres e Crianças Ciganas Portu-guesas (AMUCIP), prova que a tradição pode ser o que sempre foi sem parar no tempo. “Posso ser quem eu quiser a nível profissional sem deixar de ser quem sou a nível cultural.”
Voz forte, conversa fluida e postura segura, esta é uma mulher que sabe o que vale e que acredita no potencial das pessoas. Olga Mariano não tem dúvidas: quando se aposta no perfil de cada grupo – ou mesmo de cada pessoa –, e com garantia de saída profissional, todos ganham: ciganos, a “comunidade maioritária” e o país no seu todo. Acredita também que a mudança de mentalidades é essencial e deve ser feita de ambos os lados. “Uma ponte não se faz só numa margem”, afirma. E garante que nem tudo é mau na sua cultura, ao contrário do que muitos preferem pensar. “Temos, por exemplo, hábitos muito saudáveis. Valorizamos a idade como ponto de referência e de qualidade. Nunca pomos as pessoas de idade em depósitos de velhos. Por outro lado, na nossa comunidade, as crianças são a coisa mais importante do mundo. Não temos violadores nem pedófilos.”
Na sua visão, a integração não se faz a criar guetos. “Ao contrário do que se pensa, os ciganos querem estar inseridos na comunidade maioritária e precisam de ser apoiados por terem dificuldades acrescidas, como acontece, por exemplo, no aluguer ou compra de casa.”
Há muito que fazer e o caminho não parece fácil. Mas, ao contrário da roupa que veste, a sua esperança é da cor do arco-íris.
Olga Mariano nem sempre teve um papel tão activo no apoio à sua comunidade. Este foi um potencial descoberto tardiamente e por acaso. Nascida e criada num ambiente tradicional cigano, casou-se aos 22 anos com um homem que escolheu. “Estive apalavrada com alguns rapazes com quem não quis casar. Com este estive apalavrada, mas gostei e aceitei o casamento”, recorda. “Não há mulher cigana que case por imposição. Isso é um mito romântico. Mas uma mu-lher casar contra a vontade não tem romantismo nenhum – é uma violação dos seus direitos.”
Voz forte, conversa fluida e postura segura, esta é uma mulher que sabe o que vale e que acredita no potencial das pessoas. Olga Mariano não tem dúvidas: quando se aposta no perfil de cada grupo – ou mesmo de cada pessoa –, e com garantia de saída profissional, todos ganham: ciganos, a “comunidade maioritária” e o país no seu todo. Acredita também que a mudança de mentalidades é essencial e deve ser feita de ambos os lados. “Uma ponte não se faz só numa margem”, afirma. E garante que nem tudo é mau na sua cultura, ao contrário do que muitos preferem pensar. “Temos, por exemplo, hábitos muito saudáveis. Valorizamos a idade como ponto de referência e de qualidade. Nunca pomos as pessoas de idade em depósitos de velhos. Por outro lado, na nossa comunidade, as crianças são a coisa mais importante do mundo. Não temos violadores nem pedófilos.”
Na sua visão, a integração não se faz a criar guetos. “Ao contrário do que se pensa, os ciganos querem estar inseridos na comunidade maioritária e precisam de ser apoiados por terem dificuldades acrescidas, como acontece, por exemplo, no aluguer ou compra de casa.”
Há muito que fazer e o caminho não parece fácil. Mas, ao contrário da roupa que veste, a sua esperança é da cor do arco-íris.
Olga Mariano nem sempre teve um papel tão activo no apoio à sua comunidade. Este foi um potencial descoberto tardiamente e por acaso. Nascida e criada num ambiente tradicional cigano, casou-se aos 22 anos com um homem que escolheu. “Estive apalavrada com alguns rapazes com quem não quis casar. Com este estive apalavrada, mas gostei e aceitei o casamento”, recorda. “Não há mulher cigana que case por imposição. Isso é um mito romântico. Mas uma mu-lher casar contra a vontade não tem romantismo nenhum – é uma violação dos seus direitos.”
segunda parte

A vida de trabalho fora de casa veio depois do casamento. “Em solteiras, as raparigas ciganas trabalham apenas em casa. “Na comunidade maioritária, o investimento nos filhos é feito através da educação escolar. Nós investimos no aperfeiçoamento das filhas a nível artesanal e doméstico e na sua apresentação física para que, na altura de uma festa, vá bem preparada, bem penteada e vestida, e, assim, possa ser candidata a um bom casamento.” Depois de casadas, muitas acompanham o marido na sua actividade profissional e boa parte trabalha na venda ambulante. Olga Mariano não foi excepção. Trabalhou durante 30 anos no comércio de rua com o marido. “Os meus filhos foram criados na praça, como as crianças ciganas normalmente são.”
A doença do marido afastou-a do comércio. Em três anos, tudo o que construiu durante 30 foi por água abaixo e teve de recorrer ao rendimento mínimo garantido. Recebia cerca de 30 mil escudos (150 euros) para ela e os três filhos. Ao fim de seis meses foi chamada para se inscrever num curso de formação profissional. É nesta altura que descobre novos caminhos.
“Éramos cerca de 30 mulheres ciganas e não sei quantas de origem africana”, recorda. De entre estas mulheres apenas 11 africanas e cinco ciganas preencheram os requisitos para frequentar aquele curso profissional. Olga Mariano era uma delas.
“Eu andava demasiado cansada com o processo da doença e morte do meu marido. Mas havia um aspecto que me obrigou, entre aspas, a frequentar este curso: a bolsa era de quase 70 mil escudos. E eu tinha de dar de comer aos meus filhos.”
A formação acertou em vários pontos. Os temas foram interessantes – cidadania, português, legislação, mundo actual, entre outros – mas o cuidado com algumas especificidades do grupo foi essencial. A certa altura, houve uma separação de módulos: as ciganas foram para mediadoras socioculturais e as africanas foram para a acção do quotidiano. “Na nossa comunidade, as mulheres não podem mexer no corpo do outro, principalmente no do homem. Por isso, nunca poderíamos trabalhar num lar. A entidade que promoveu o curso entendeu isso e fez a separação.”
Do fim da formação à criação da AMUCIP por Olga Mariano e as outras quatro mulheres ciganas que frequentaram o curso foi um salto. “O grande objectivo foi criar um espaço aberto num bairro social onde pudéssemos ter crianças ciganas em conjunto com crianças não ciganas para fomentar a inclusão e nunca a exclusão. O segundo objectivo era minimizar o absentismo escolar por parte dessas crianças e incentivar que as meninas que tivessem sido retiradas do percurso escolar retomassem os seus estudos, por via directa ou indirecta – através de acções de formação que ao mesmo tempo lhes dessem uma equivalência. E o terceiro objectivo era fazer a conciliação entre a vida familiar e profissional das mulheres ciganas. Dar-lhes mais autonomia e alguma qualidade de vida.” A partir da definição destas metas, o trabalho faz-se no terreno. E nada como cinco mulheres ciganas para saber como caminhar neste território.
A Câmara do Seixal cedeu-lhes uma casa e a Fundação Montepio Geral deu-lhes meios para a arranjar. E, então, deram início ao passa-pala-vra, que é a sua forma de acção. Assim têm chegado não só às mu-lheres e crianças mas à comunidade em geral. Procuram criar condições de evolução e inserção para o seu grupo, mas também trabalham a divulgar a cultura cigana a nível das escolas, dos técnicos de inserção social e de quem mais se interessar. “Conheçam-me antes de me odiarem” é um dos seus lemas. A AMUCIP tem actuado a nível de vários projectos em conjunto com a Câmara e com outras entidades locais, nacionais ou europeias. Por exemplo, no projecto P’lo Sonho é que Vamos – que está na sua fase final –, trabalharam com a Direcção-Geral para os Assuntos Consulares e o Centro de Estudos para a Inter-venção Social. Foi uma soma de experiências que resultou e foi reconhecida através de prémios a nível regional e nacional, e de uma medalha de mérito oferecida pela autarquia. “Isso fez com que tivéssemos ainda mais prazer no que estávamos a fazer. Estávamos no caminho certo. Era o que pretendíamos: não deixar de sermos quem somos, mas podermos ser qualquer coisa mais além. Juntar outros conhecimentos, outras ferramentas.” Nesta fase em que se encontra o projecto, o objectivo é disseminar a experiência, tentando que outras autarquias criem grupos de trabalho semelhantes nas suas jurisdições.
A doença do marido afastou-a do comércio. Em três anos, tudo o que construiu durante 30 foi por água abaixo e teve de recorrer ao rendimento mínimo garantido. Recebia cerca de 30 mil escudos (150 euros) para ela e os três filhos. Ao fim de seis meses foi chamada para se inscrever num curso de formação profissional. É nesta altura que descobre novos caminhos.
“Éramos cerca de 30 mulheres ciganas e não sei quantas de origem africana”, recorda. De entre estas mulheres apenas 11 africanas e cinco ciganas preencheram os requisitos para frequentar aquele curso profissional. Olga Mariano era uma delas.
“Eu andava demasiado cansada com o processo da doença e morte do meu marido. Mas havia um aspecto que me obrigou, entre aspas, a frequentar este curso: a bolsa era de quase 70 mil escudos. E eu tinha de dar de comer aos meus filhos.”
A formação acertou em vários pontos. Os temas foram interessantes – cidadania, português, legislação, mundo actual, entre outros – mas o cuidado com algumas especificidades do grupo foi essencial. A certa altura, houve uma separação de módulos: as ciganas foram para mediadoras socioculturais e as africanas foram para a acção do quotidiano. “Na nossa comunidade, as mulheres não podem mexer no corpo do outro, principalmente no do homem. Por isso, nunca poderíamos trabalhar num lar. A entidade que promoveu o curso entendeu isso e fez a separação.”
Do fim da formação à criação da AMUCIP por Olga Mariano e as outras quatro mulheres ciganas que frequentaram o curso foi um salto. “O grande objectivo foi criar um espaço aberto num bairro social onde pudéssemos ter crianças ciganas em conjunto com crianças não ciganas para fomentar a inclusão e nunca a exclusão. O segundo objectivo era minimizar o absentismo escolar por parte dessas crianças e incentivar que as meninas que tivessem sido retiradas do percurso escolar retomassem os seus estudos, por via directa ou indirecta – através de acções de formação que ao mesmo tempo lhes dessem uma equivalência. E o terceiro objectivo era fazer a conciliação entre a vida familiar e profissional das mulheres ciganas. Dar-lhes mais autonomia e alguma qualidade de vida.” A partir da definição destas metas, o trabalho faz-se no terreno. E nada como cinco mulheres ciganas para saber como caminhar neste território.
A Câmara do Seixal cedeu-lhes uma casa e a Fundação Montepio Geral deu-lhes meios para a arranjar. E, então, deram início ao passa-pala-vra, que é a sua forma de acção. Assim têm chegado não só às mu-lheres e crianças mas à comunidade em geral. Procuram criar condições de evolução e inserção para o seu grupo, mas também trabalham a divulgar a cultura cigana a nível das escolas, dos técnicos de inserção social e de quem mais se interessar. “Conheçam-me antes de me odiarem” é um dos seus lemas. A AMUCIP tem actuado a nível de vários projectos em conjunto com a Câmara e com outras entidades locais, nacionais ou europeias. Por exemplo, no projecto P’lo Sonho é que Vamos – que está na sua fase final –, trabalharam com a Direcção-Geral para os Assuntos Consulares e o Centro de Estudos para a Inter-venção Social. Foi uma soma de experiências que resultou e foi reconhecida através de prémios a nível regional e nacional, e de uma medalha de mérito oferecida pela autarquia. “Isso fez com que tivéssemos ainda mais prazer no que estávamos a fazer. Estávamos no caminho certo. Era o que pretendíamos: não deixar de sermos quem somos, mas podermos ser qualquer coisa mais além. Juntar outros conhecimentos, outras ferramentas.” Nesta fase em que se encontra o projecto, o objectivo é disseminar a experiência, tentando que outras autarquias criem grupos de trabalho semelhantes nas suas jurisdições.